por Frei Carlos Mesters, OC
Todos nós, no dia do nosso nascimento, recebemos o título de filho ou de filha. Jesus também, no dia do seu nascimento, recebeu o título de Filho do Homem. Jesus recebeu muitos títulos. Só no Novo Testamento são mais de cem! Cada um destes títulos expressa algo daquilo que Jesus significava para os primeiros cristãos. Alguns destes títulos vinham da vida diária e das tarefas que Jesus exercia. Por exemplo: pastor, pão, caminho, verdade, vida, carpinteiro, mestre, filho de Maria, etc. Outros títulos vinham do contexto político e social da época: rei dos reis, juiz dos povos, advogado, defensor, etc. Outros ainda vinham do Antigo Testamento: messias, profeta, rei, sacerdote, servo, Filho do Homem.
De todos estes títulos, o mais freqüente é Filho do Homem. Ele ocorre mais de oitenta vezes nos quatro evangelhos! Jesus gostava de identificar-se como Filho do Homem. Quando o sumo sacerdote perguntou: "És tu o Messias, o filho do Deus bendito?", Jesus respondeu: "Eu sou, e vocês verão o Filho do Homem sentado à direita do Todo-Poderoso, e vindo sobre as nuvens do céu" (Mc 14,61-62). Perguntado se era Filho de Deus, Jesus diz que é Filho do Homem. Qual o sentido deste título Filho do Homem? Chegando perto de Natal vale a pena nós olharmos de perto o significado deste Nome de Jesus, pois é lá na gruta de Belém que Jesus recebeu o título de Filho do Homem. O nome de que ele mais gostava.
O título Filho do Homem vem dos profetas Ezequiel e Daniel. No livro de Ezequiel, este título acentua a condição humana do profeta. Algumas Bíblias até o traduzem por Criatura Humana; outras, por Filho de Adão. Ser Filho do Homem é o mesmo que ser uma pessoa bem humana, bem perto de nós. No dia de Natal, Jesus nasceu e chegou perto de nós, começou a ser humano, filho do homem.
No livro de Daniel, a expressão Filho do Homem ocorre na visão que o profeta teve dos quatro grandes reinos do mundo (Dn 7,1-28). Nesta visão, os reinos são apresentados sob a figura de animais: leão, urso, leopardo e fera medonha (Dn 7,4-7). É que os reinos do mundo são animalescos; desumanizam a vida, “animalizam” as pessoas. O Reino de Deus, porém, é apresentado, não sob a figura de um animal, mas sim de um Filho do Homem, filho de Adão, de um ser humano, igual a nós (Dn 7,13). A figura do Filho do Homem indica o povo de Deus. O povo de Deus não se deixa desumanizar nem enganar pela propaganda dos reinos "animalescos". A sua missão consiste em realizar o Reino de Deus como um reino humano, reino que não persegue e oprime a vida, mas sim a promove! Humaniza as pessoas.
Apresentando-se aos discípulos como Filho do Homem, Jesus assume como sua esta missão humanizadora que recebeu no nascimento em Belém. Ele realiza o Reino de Deus humanizando a vida. É como se dissesse: “Venham comigo! Esta missão é de todos nós! Vamos juntos realizar a missão que Deus nos entregou. Vamos realizar o Reino humano que ele sonhou!” E foi o que Jesus fez e viveu durante toda a sua vida, sobretudo, nos últimos três anos. Quanto mais humano, tanto mais divino! Quanto mais "filho do Homem", tanto mais “filho de Deus!” Tudo que desumaniza uma pessoa, afasta de Deus. É humanizando a vida que nós nos tornamos filhos e filhas de Deus.
O título Filho do Homem indica a humanidade em Jesus. Mesmo sendo de condição divina, Jesus se fez semelhante a nós em tudo (Flp 2,6-7), menos no pecado (Hb 4,15). No dia de Natal, em Jesus, Deus chegou perto de nós, ficou humilde, filho de Adão, humano. O Papa Leão Magno (Séc V) dizia que Jesus era tão humano como só Deus pode ser humano.
E como Jesus foi humano? Basta você olhar de perto os inúmeros episódios narrados nos quatro evangelhos. Humanidade, bondade, ternura, simplicidade são a característica do jeito com que Jesus acolhia e tratava as pessoas: o velho Zaqueu que subiu numa árvore (Lc 19,1-10), as mães com crianças (Mt 19,13-14), o leproso que gritava à beira da estrada (Mt 8,2; Mc 1,40-41), o paralítico de trinta e oito anos (Jo 5,5-9), a moça do perfume na casa do fariseu (Lc 7,36-50); o cego de nascimento na praça do templo (Jo 9,1-13), a mulher curvada na sinagoga (Lc 13,10-13), a viúva de Naim no enterro do filho único (Lc 7,11-17), as crianças em todo canto (Mt 21,15-16), e tantas outras pessoas. Jesus defendia os direitos dos pequenos e reconhecia neles a sabedoria de Deus (Mt 11,25-26). Era o contrário da atitude dos fariseus e escribas que chamavam o povo de ignorante e maldito e achavam que o povo não tinha nada para ensinar a eles (Jo 7,48-49; 9,34).
Jesus acolhia a todos como seus irmãos e suas irmãs. Não excluía ninguém. Ele anunciava o Reino de Deus para todos, mas o anunciava a partir dos pobres, dos excluídos: Prostitutas eram preferidas aos fariseus (Mt 21,31–32; Lc 7,37-50); publicanos tinham precedência sobre os escribas (Lc 18,9-14; 19,1-10); leprosos eram limpos (Mc 1,44; Mt 8,2-3; 11,5; Lc 17,12-14); doentes eram curados em dia de sábado (Mc 3,1-5; Lc 14,1-6; 13,10-13); mulheres faziam parte do grupo que acompanhava Jesus (Lc 8,1-3; 23,49e55; Mc 15,40-41); crianças e viúvas eram apresentadas como mestras de adultos (Mt 18,1-4; 19,13-15; Lc 9,47-48; Lc 21,1-4 ); famintos eram acolhidos e alimentados (Mc 6,34; Mt 9,36; 15,32; Jo 6, 5-11); cegos recebiam a visão (Mc 8,22-26; Mc 10,46-52; Jo 9,6-7); possessos eram libertados (Lc 11,14-20); a mulher adúltera era defendida contra os que a condenavam em nome da lei de Deus (Jo 8,2-11); estrangeiros eram acolhidos (Lc 7,2-10; Mc 7,24-30; Mt 15,22). O povo perce beu a novidade e dizia: “Um novo ensinamento dado com autoridade!” (Mc 1,27), diferente dos escribas e dos fariseus (Mc 1,22).
A revelação deste amor tão humano, tão bonito e tão provocador começou a ser dada, quando Jesus nasceu em Belém. Foi lá que tudo começou, e que tudo recomeça, cada vez de novo, todos os anos, no dia de Natal. Natal é a grande festa da Humanidade de Jesus. Quanto mais humanos conseguirmos ser, mais semelhantes seremos a Jesus, mais perto do presépio estaremos, junto com os pastores, os convidados especiais de Deus para festa do nascimento do seu Filho Jesus.
Frei Carlos Mesters é padre carmelita , biblista e teólogo
Fonte: Cebs Intereclesial
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