O rosto do Cristo tinha a serenidade dos budas, os traços eram suaves, mas precisos e sem languidez, os olhos estavam abertos e eles não estavam vazios.
Para mim, aquilo foi o que eu passei a chamar de o “choque da síntese”. Dentro e fora não estavam mais separados, a interioridade não se opunha à exterioridade. Era realmente o rosto de um homem, mas transparente à uma outra Vida. A expressão do rosto não era psíquica como é o caso de certas imagens pias, mas ontológico; não era a expressão de uma emoção ou de um sentimento qualquer, mas a expressão de um “estado de Ser”, um “Eu” que é Amor... As palavras do patriarca me vieram à mente: “Nele, Deus e o homem não estão nem separados nem embaralhados.”
Não era o rosto de um separado, do individuo fechado na densidade do seu mármore e das suas moléculas, não era o rosto de um homem sem ego, sem traços particulares, dissolvido no oceano de um Todo de beatitude e, no entanto, havia algo de ambos, uma interioridade que não deixava nada a desejar à dos budas e uma presença carnal que não deixava nada a desejar à dos Apolos.
Será que eu não estava projetando no semblante do Cristo a síntese difícil que meu espírito estava procurando elaborar? Sem dúvida, mas o ícone estava ali, com o seu rosto sem sorriso que, no entanto, era todo acolhimento, com seus olhos abertos que me fitavam e que, no entanto, olham o interior, “para o Pai”. Mas isso eu aprenderia em seguida... Naquele momento preciso, eu apenas recebia o “choque da síntese”. Essa síntese não era uma soma de pensamentos, uma nova ideologia, mas “Alguém”, uma “verdade em pessoa”. Não uma verdade científica, nem filosófica, sequer teológica: uma verdade em presença, um “Eu sou a Verdade”, um “Eu sou verdadeiro”, verdadeiramente Deus, verdadeiramente homem, no interior e no exterior, no início, no fim; eu sou o alpha e o omega.
*Jean- Ives Leloup, padre cristão-ortodoxo e filósofo
Techo do livro ''O Absurdo e a Graça''
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