Francisco de Assis e Oscar Niemeyer, um religioso, outro ateu, que passaram pela Terra com 900 anos de diferença e viveram em continentes distintos, têm algo em comum?
Ambos foram projetistas sonhadores. O ‘pobrezinho de Assis’
arquitetou a cena do nascimento de Jesus, com as linhas curvas das colinas de
Nazaré, na Palestina, e com o calor humano e animal de Maria e José, dos
pastores e magos, do boi, do burro e das ovelhas no estábulo. No centro, a
beleza natural da Eterna Criança. São Francisco foi o inventor do presépio,
(e)terna representação da manifestação
do sagrado no mundo. E cantou nossa irmandade com a natureza, de forma inédita,
entre 1182 e 1226.
Oscar projetou casas, monumentos, palácios e igrejas – a
começar pela de... São Francisco, na Pampulha, às margens da lagoa em meio às
serras da Gerais, com seu belo horizonte. Ele sempre procurava adaptar a
construção ao meio natural. Maria Elisa, filha do urbanista Lúcio Costa, grande
parceiro de Niemeyer, disse que ele “introduziu a graça na arquitetura”. Entre
1907 e 2012, largo período que passou entre nós, Niemeyer, pioneiro, quis fazer
dos seus traços e ofício “uma questão de sensibilidade”.
Mas o que melhor aproxima estas duas figuras, e que o
período do Natal evoca, é o humanismo.
Francisco, em uma sociedade que
discriminava os pobres e realizava guerras e cruzadas pelo poder, abriu mão de
sua riqueza familiar e entregou-se ao despojamento total. Via Deus em toda a
Criação e jamais chamou o dinheiro de “irmão”. Niemeyer não passou necessidade
mas afirmava que “se envergonharia de ser rico numa sociedade tão desigual”.
Criava e, com certa admiração pelos crentes, ou com “saudade de Deus”, como
suspeitou o teólogo Leonardo Boff, admitia que considerassem toda criação
humana uma centelha divina.
Francisco e Oscar praticaram a simplicidade. Nosso
contemporâneo lembrava que “estamos num planeta pequenino e nossa existência é
um sopro”, para concluir que todos “devemos ser mais modestos, ver a vida com
paciência e saber que estamos no mesmo barco; quem se acha importante é um
débil mental”. O andarilho italiano orava a Deus pedindo “luz nas trevas do
coração, fé reta, esperança certeira e caridade profunda”.
Ambos foram pessoas íntegras e integradas. “Andemos pelo
mundo livres como as aves, e cantemos esta canção que é nossa, como elas cantam
as suas”, proclamava São Francisco. “O que conta é a vida, os amigos e este
mundo injusto que devemos modificar”, disse Oscar.
Eles são exemplos, nesses tempos de adoração pelo que não
dura e do fascínio pelo poder e pelo prestígio, onde carinho é apenas
diminutivo de caro...
*Chico Alencar é professor de História e deputado federal
(PSOL/RJ)
Publicado originalmente no JB online de 15/12/2012
Texto maravilhoso do Chico sobre o Chico.
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