As chuvas de abril levam ao debate sobre como o Rio de Janeiro e Niterói enfrentarão desafios para as Olimpíadas. Em toda a Região metropolitana, o número de mortos chegará a casa da centena. Não se trata, como afirmou o Prefeito Eduardo Paes, de um problema atípico. As duas cidades não possuem uma rede de infraestrutura urbana que dê conta da acelerada expansão do mercado imobiliário. Esta é a causa. E as mortes não são uma fatalidade, mesmo que o volume de chuvas tenha sido maior que o normal. O administrador cobrou também que os “demagogos” venham a público, agora, para criticar as remoções nas favelas. Pois é preciso afirmar, sem medo de errar, que as transferências forçadas aumentam uma cidade segregada entre ricos e pobres. Um pacote de políticas que apenas afastem a população menos favorecida das áreas centrais, sendo construídos conjuntos habitacionais nos bairros periféricos, provoca exclusão social.
Conforme a manchete de O GLOBO, há quarenta anos a cidade do Rio sofre com um mal sem solução. A cidade precisa estar preparada para receber fortes chuvas. Mesmo que ocorram, em épocas do ano, quando não são tão esperadas. Não está pronta no verão, quando são mais freqüentes as tempestades. Nem no outono (como é o caso) ou em período algum. A tragédia não é devida a um índice pluviométrico elevado. Mesmo fosse este o motivo principal, o número não seria resultado de um cálculo que apenas leva em consideração um volume extra de água que precipita, como seria um cálculo diferenciado. Mas representaria o volume de água que precisaria ser contido, de alguma forma, quando já não é tão absorvido pelo solo. Pois caso houvesse absorção absoluta de um volume diferenciado, então não teria porque ser calculado como um problema de Engenharia Urbana. É preciso haver regularidade no oferecimento de um serviço público que visa criar obstáculos ao alcance dos dramas eminentes. Um sistema eficiente de controle de cheias urbanas e um limite, à ocupação desordenada do território, criado precisam funcionar. Sem falar nas emergências que merecem políticas, de defesa civil, que cumpram o seu papel. A água da chuva tem que escoar para algum lugar. No seu percurso, ganha peso. Se estiver canalizada, passa a ter uma força extraordinária. É necessário, para que a cidade evolua a sua tecnologia, uma conciliação entre: a velocidade atingida pela água pluvial, no interior da rede, e a esperada de um veículo de passeio. Mas o que ocorre é, sob a primeira meta divergente entre as duas progressões, não há a garantia de um erro calculado (ou de um conflito administrado), podendo ocorrer uma total adversidade. Quanto a desabamentos, onde o sofrimento humano fica mais evidente, parece haver uma concorrência predatória: entre a verticalização, cada vez mais acentuada, na construção da cidade e uma lei da gravidade simples, que tem conseqüências devastadoras quando chove no morro. A rede de drenagem deve facilitar o fluxo, da água da chuva, no interior do solo. O seu funcionamento débil não é um problema atípico. E nem menos freqüente é um novo prédio instalado por cima da mesma antiga rede ultrapassada. O lixo descartado, sem muito critério, também é um motivo de entupimento. Merece ser melhor administrado pela prefeitura. Por fim, a maré alta na praia também é um fator que aumenta os riscos. Impede que o mar sirva como desaguadouro da força que foi imposta pela chuva. Cada um desses fatores requer análise detalhada. Portanto, apenas um desses ( a exceção da maré alta, que não se relaciona com o problema global, como o fazem os outros fatores )já oferece uma explicação mais completa. Bastante incompleta é a que defende um cenário excepcional de cheias, como na fala do Prefeito do Rio.
Com relação à demagogia acusada pelo Prefeito, há aí um erro de observação. As habitações populares (localizadas nos morros) possuem uma rede de saneamento precária precisamente porque estão em áreas segregadas. A prefeitura não sobe as favelas e, assim, não oferece os seus serviços lá. As chamadas comunidades vão se formando isoladas. Uma solução encontrada, e freqüentemente trazida às discussões, é a dos conjuntos habitacionais distantes. Mas é importante lembrar que os morros são ocupados porque os trabalhadores não podem gastar dinheiro com transportes, indo morar o mais próximo o possível dos seus empregos. As cidades, em um modelo de desenvolvimento moderno, crescem em direção aos subúrbios. Seguem uma linha de expansão que inicia nos centros urbanos e finaliza nas áreas mais longínquas. O subúrbio não é uma solução que substitua as moradias precárias verticalizadas do Rio e de Niterói. Os conjuntos manteriam a exclusão social atual e ainda iriam inviabilizar a circulação urbana. Aliás, especificamente sobre transportes, a região metropolitana de São Paulo é um péssimo exemplo da modernidade até as últimas conseqüências. Os enormes engarrafamentos dos paulistanos são a prova da falência do modelo de moradias distantes dos locais de trabalho. Sem contar que acabam sendo priorizados os transportes individuais em detrimento dos coletivos. Fala-se muito em ocupação de terrenos públicos, próximos ao centro do Rio, para uso pelos programas de habitação popular. Seria uma boa alternativa, mas isso não parece estar sendo levado muito a sério pelos diferentes níveis de governo. Bem lembrou o prefeito do destaque dado a esses temas, em momentos como esse, e que depois cai no esquecimento. Mas esta atitude de agir por “rompantes” parece ser, antes de mais nada, a da prefeitura, seja do governo A ou B (desde César Maia). Não se houve falar de um programa habitacional, de grande porte, da prefeitura. O que se vê é um varejo de iniciativas desarticuladas entre si. E estas tornam-se piores por dependerem do governante de plantão. Não são de longo prazo, mas de curtíssimo. Faltam projetos transformadores. Sobram ações isoladas. Paes já se mostrou bem favorável à remoção de favelas e só não faz isso porque teme, sim, ficar com a imagem prejudicada frente a população. Antes de uma convicção bem fundamentada contrária a este tipo de medida, é o medo de se indispor com a opinião pública que o faz recuar de um choque de ordem no morro. César Maia também agia assim. Ou melhor, não agia quase nunca. A segurança das casas é um bom motivo para a mudança, de algumas, de lugar. Talvez a prefeitura esteja atuando neste sentido. Mas uma retirada generalizada ou a construção de um muro, rodeando todas as casas, têm o mesmo simbolismo: o da exclusão da cidade.
Como foi visto, as chuvas ocorreram devido ao seguinte descompasso: entre o adensamento populacional, que é maior em algumas áreas, e o aumento da capacidade da rede de saneamento de fazer fluir as águas. Até agora, têm sido tempos que correm desarticulados. E sobre as remoções, não podem visar a transferência dos moradores para os conjuntos dos subúrbios. Apenas devem ser um caso, bem criterioso, de administrar uma política de defesa civil. Crescimento ordenado e morros seguros combatem a segregação e a exclusão. E as águas podem vir com força que a rede as suporta.
Conforme a manchete de O GLOBO, há quarenta anos a cidade do Rio sofre com um mal sem solução. A cidade precisa estar preparada para receber fortes chuvas. Mesmo que ocorram, em épocas do ano, quando não são tão esperadas. Não está pronta no verão, quando são mais freqüentes as tempestades. Nem no outono (como é o caso) ou em período algum. A tragédia não é devida a um índice pluviométrico elevado. Mesmo fosse este o motivo principal, o número não seria resultado de um cálculo que apenas leva em consideração um volume extra de água que precipita, como seria um cálculo diferenciado. Mas representaria o volume de água que precisaria ser contido, de alguma forma, quando já não é tão absorvido pelo solo. Pois caso houvesse absorção absoluta de um volume diferenciado, então não teria porque ser calculado como um problema de Engenharia Urbana. É preciso haver regularidade no oferecimento de um serviço público que visa criar obstáculos ao alcance dos dramas eminentes. Um sistema eficiente de controle de cheias urbanas e um limite, à ocupação desordenada do território, criado precisam funcionar. Sem falar nas emergências que merecem políticas, de defesa civil, que cumpram o seu papel. A água da chuva tem que escoar para algum lugar. No seu percurso, ganha peso. Se estiver canalizada, passa a ter uma força extraordinária. É necessário, para que a cidade evolua a sua tecnologia, uma conciliação entre: a velocidade atingida pela água pluvial, no interior da rede, e a esperada de um veículo de passeio. Mas o que ocorre é, sob a primeira meta divergente entre as duas progressões, não há a garantia de um erro calculado (ou de um conflito administrado), podendo ocorrer uma total adversidade. Quanto a desabamentos, onde o sofrimento humano fica mais evidente, parece haver uma concorrência predatória: entre a verticalização, cada vez mais acentuada, na construção da cidade e uma lei da gravidade simples, que tem conseqüências devastadoras quando chove no morro. A rede de drenagem deve facilitar o fluxo, da água da chuva, no interior do solo. O seu funcionamento débil não é um problema atípico. E nem menos freqüente é um novo prédio instalado por cima da mesma antiga rede ultrapassada. O lixo descartado, sem muito critério, também é um motivo de entupimento. Merece ser melhor administrado pela prefeitura. Por fim, a maré alta na praia também é um fator que aumenta os riscos. Impede que o mar sirva como desaguadouro da força que foi imposta pela chuva. Cada um desses fatores requer análise detalhada. Portanto, apenas um desses ( a exceção da maré alta, que não se relaciona com o problema global, como o fazem os outros fatores )já oferece uma explicação mais completa. Bastante incompleta é a que defende um cenário excepcional de cheias, como na fala do Prefeito do Rio.
Com relação à demagogia acusada pelo Prefeito, há aí um erro de observação. As habitações populares (localizadas nos morros) possuem uma rede de saneamento precária precisamente porque estão em áreas segregadas. A prefeitura não sobe as favelas e, assim, não oferece os seus serviços lá. As chamadas comunidades vão se formando isoladas. Uma solução encontrada, e freqüentemente trazida às discussões, é a dos conjuntos habitacionais distantes. Mas é importante lembrar que os morros são ocupados porque os trabalhadores não podem gastar dinheiro com transportes, indo morar o mais próximo o possível dos seus empregos. As cidades, em um modelo de desenvolvimento moderno, crescem em direção aos subúrbios. Seguem uma linha de expansão que inicia nos centros urbanos e finaliza nas áreas mais longínquas. O subúrbio não é uma solução que substitua as moradias precárias verticalizadas do Rio e de Niterói. Os conjuntos manteriam a exclusão social atual e ainda iriam inviabilizar a circulação urbana. Aliás, especificamente sobre transportes, a região metropolitana de São Paulo é um péssimo exemplo da modernidade até as últimas conseqüências. Os enormes engarrafamentos dos paulistanos são a prova da falência do modelo de moradias distantes dos locais de trabalho. Sem contar que acabam sendo priorizados os transportes individuais em detrimento dos coletivos. Fala-se muito em ocupação de terrenos públicos, próximos ao centro do Rio, para uso pelos programas de habitação popular. Seria uma boa alternativa, mas isso não parece estar sendo levado muito a sério pelos diferentes níveis de governo. Bem lembrou o prefeito do destaque dado a esses temas, em momentos como esse, e que depois cai no esquecimento. Mas esta atitude de agir por “rompantes” parece ser, antes de mais nada, a da prefeitura, seja do governo A ou B (desde César Maia). Não se houve falar de um programa habitacional, de grande porte, da prefeitura. O que se vê é um varejo de iniciativas desarticuladas entre si. E estas tornam-se piores por dependerem do governante de plantão. Não são de longo prazo, mas de curtíssimo. Faltam projetos transformadores. Sobram ações isoladas. Paes já se mostrou bem favorável à remoção de favelas e só não faz isso porque teme, sim, ficar com a imagem prejudicada frente a população. Antes de uma convicção bem fundamentada contrária a este tipo de medida, é o medo de se indispor com a opinião pública que o faz recuar de um choque de ordem no morro. César Maia também agia assim. Ou melhor, não agia quase nunca. A segurança das casas é um bom motivo para a mudança, de algumas, de lugar. Talvez a prefeitura esteja atuando neste sentido. Mas uma retirada generalizada ou a construção de um muro, rodeando todas as casas, têm o mesmo simbolismo: o da exclusão da cidade.
Como foi visto, as chuvas ocorreram devido ao seguinte descompasso: entre o adensamento populacional, que é maior em algumas áreas, e o aumento da capacidade da rede de saneamento de fazer fluir as águas. Até agora, têm sido tempos que correm desarticulados. E sobre as remoções, não podem visar a transferência dos moradores para os conjuntos dos subúrbios. Apenas devem ser um caso, bem criterioso, de administrar uma política de defesa civil. Crescimento ordenado e morros seguros combatem a segregação e a exclusão. E as águas podem vir com força que a rede as suporta.
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Guilherme Valle, sociólogo
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