por Fred Félix
O confete paira no chão. A serpentina se mantém em repouso. O pandeiro silencia-se para ouvir o som do universo. Após cinco dias de folia, que lavam a alma e nos embutem um frenesi, chegamos à famosa quarta-feira das cinzas, inicio da quaresma. É o ponto de partida de um dos tempos mais espirituais do ciclo litúrgico. Tempo este que nos convida a olharmos para o interior e conhecermos o EU que se esconde atrás dos véus da rotina e do barulho do dia-a-dia na cidade.
A quaresma é mais um caminho que nos ajuda chegar à verdade. Contudo, a ignorância e a devoção ingênua distorceram o grande objetivo deste período, levando-nos a olhar para o mesmo como um simples período de abstinência, no qual se faz jejum ou se corta algum tipo de comida como forma de purgar os pecados (e por isso até se usa o carnaval para acumular alguns que serão perdidos durante a quaresma).
Na intenção de auxiliar a trazer o sentido original deste ciclo, traremos a cada domingo uma reflexão diferente sobre cada aspecto, pretendendo ser um apoio a todos os irmãos e irmãs neste caminho. Comecemos então os trabalhos quaresmais...
Cinzas
As frontes marcadas pela cinza após a missa proclamam pela cidade: começou a quaresma!
O grande primeiro passo após a “Terça-Feira Gorda” de carnaval é silenciar o coração e reconhecer: sou um mortal. As cinzas trazem este sentido profundo de que tudo é passageiro. Por isso, o coração deve acolher o que é eterno e duradouro. O carnaval, a festa e a agitação, por mais gostosos que sejam, terminam. E cabe a nós olharmos e separarmos a rotina do dia-a-dia do carnaval de nossas vidas. Porque, após a festa vem a ressaca, nunca desejada, mas sempre presente. A quarta-feira de cinzas mostra uma solução: vamos rever a forma de fazermos a festa da vida, para que sempre seja alegre, contudo sem as ressacas que ferem a alma.
Defrontar a triste realidade humana da mortalidade é o primeiro passo a ser. Somos simples folhas da árvore da vida, que de acordo com a vontade do Grande Jardineiro serão cortadas no tempo certo. Logo, que laços queremos construir e que atos queremos que estejam escritos no livro de nossas vidas? Fica a pergunta para meditação...
As antigas fraternidades da ordem terceira possuíam sempre uma caveira e muitos quadros e imagens de São Francisco de Assis, que em vez de pombos ou outros bichos em torno do santo, sustentavam um crânio, a cruz e os Evangelhos. Era um convite a constante reflexão do que somos. O franciscano deve sempre ter em mente sua própria realidade. Assim como a regra afirma:
Assim, no espírito das ‘Bem-aventuranças’, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como ‘peregrinos e forasteiros’ a caminho da casa do Pai. – Regra da OFS, nº 11O segundo convite da quarta-feira de cinzas é repor nos devidos lugares os bens terrestres. A tradição da Igreja nos ensina a não comermos carne nem na quarta-feira de cinzas e nem na sexta-feira santa, os extremos desse período. Com isso, como forma de absorver proteínas nestes dois dias que as pessoas consomem peixe. Contudo, a grande idéia desta abstinência, que na realidade pouco tem a ver a questão de animais de sangue quente, é a de serem ingeridos alimentos simples, de forma a pensarmos em todos os serem humanos, inclusive àqueles que nem alimentos simples têm para comer.
Um prato de salmão com molho de camarões e alcaparras está longe de ser um alimento quaresmal. Melhor seria um bom prato de arroz com ovo ou um macarrão com sardinha ou atum. Algo que todos poderiam ter acesso. O convite é reviver a divisão dos peixes e pães feita por Jesus junto à multidão. Logo, o clímax desse gesto neste dia pode ser levar um prato de comida a quem não o tem.
Após este bate papo, chegamos à conclusão de quão profundo é o significado daquele punhado de cinza que o padre usa para “sujar” nossa fronte. Reverbera na alma a anual e singela sugestão sempre repetida nessa quarta-feira: “Arrependei-vos e crede no Evangelho”!
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