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Assim, no espírito das Bem-aventuranças, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteiros a caminho da casa do Pai. - Regra OFS nº 11

segunda-feira, 27 de maio de 2013

A prece profunda nos ensina o que o anjo da morte nos ensina


Laurence Freeman, OSB

Extraído do Boletim Internacional da Comunidade Mundial para a Meditação Cristã de 18 de Junho de 1999.


A prece profunda nos ensina o que o anjo da morte nos ensina. Sempre que o meditante encontra a pobreza de espírito, isso equivale a uma experiência da morte. A pobreza significa olhar firmemente para uma vacuidade cujo significado a princípio nos escapa. Trata-se da dolorida consciência de que todas as coisas que sonhávamos, ou esperávamos, que fossem durar para sempre ocultam uma data de validade. A pobreza significa reconhecer que não somos autossuficientes e que, para a nossa própria existência, dependemos de uma realidade a que não conseguimos dar nome.

Por meio dessa descoberta nossa vida se modifica, se sente ameaçada e, se torna ainda mais frágil. A princípio há a repugnância da morte, o sentimento doentio de perda e privação, que sentimos sempre que relacionamentos fracassam, ou expectativas são frustradas, ou ainda quando quem é fiel prova ser infiel. A esse sentimento se segue o pesar do luto, muitas vezes misturado com uma raiva a Deus, à vida, aos que estão à morte, ou já morreram, ou mesmo ao próprio corpo por nos deixar na mão. Conferindo colorido a esses sentimentos, poderá haver a amargura da culpa ou da vergonha pelo fato de estar à morte, implicado no terrível, indesejável e estranho tabu da morte. Toda separação dá origem à primitiva ansiedade da traição, de estar abandonado às puras forças da natureza. Porém, à medida que lutamos com o anjo terrível, decobrimos que ele não é um inimigo, mas um aliado. Um mensageiro de Deus, da vida, e não da morte. À medida que se desenrolam as nossas complexas reações ao mensageiro, há momentos cheios de alegria do puro vôo na vacuidade do espaço que é o Espírito. Então, vemos que a vacuidade é a plenitude da potência, uma abundância de vida iminente, um vácuo que não deve ser evitado.


Por vezes, enxergamos isso nos olhos de uma pessoa que esteja muito doente ou às portas da morte. Nas profundezas de sua alma ela é testemunha dos choques que se dão entre os exécitos dos sentimentos, de suas tréguas, e de novos choques. Há momentos em que os olhos se enchem de uma paz e sabedoria que representam uma benção a todos os que o vêem. Aquela pessoa que você veio consolar, te consola. A pessoa que você acreditava iria ser o objeto de sua compaixão vira a mesa, e passa a aliviar as cargas de sua vida.

Existe uma maneira de estar na presença de uma pessoa às portas da morte que evita a armadilha de nos sentirmos desconfortáveis e inúteis, que é a de ser simplesmente um companheiro. Estar em contato com a própria mortalidade. Ser lembrado de que nós, também, estamos morrendo. Aprender com aqueles que estamos assistindo. Por mais que a pessoa se torne alheia ao que a circunda, ela dará valor ao companheirismo. Ser um verdadeiro e fiel companheiro, sem se alienar quando sente ter sido alienado, está no fulcro da compaixão. Trata-se de um fruto de sentir-se à vontade com você mesmo. Ser companhia para alguém é vivenciar a verdade de que a solitude não é a solidão que a princípio temíamos ser. Trata-se da condição de ser simplesmente a pessoa que Deus nos chamou a existir: uma pessoa que, em sua mais profunda natureza, é amada e é capaz de amar de volta.

A arte do acompanhamento humano se desenvolve na prece profunda. Meditar com outra pessoa é encontrar uma intimidade e uma amizade espiritual no silêncio, que é inexplicável em outros níveis de relacionamento. Quando compartilhamos a obra do silêncio interior caem barreiras de medos ou formalidades. Em momentos com uma pessoa que esteja às portas da morte, estar verdadeiramente presente para ela depende de superar a própria auto-consciência e auto-centramento. Transcendê-los significa buscar aquela qualidade da impotência em nós mesmos, da qual, instintivamente, procuramos fugir e evitar. Podemos gostar de olhar para essa “pobreza de espírito” de uma distância segura, marcando um encontro com ela para outro dia. Gostamos de ler a respeito e de ouvir outras pessoas nos falarem disso. Porém, tudo depende de quando decidimos atravessar pessoalmente a barreira da pobreza, provenientes da terra da ilusão, para o reino da realidade. Quando fazemos isso, experimentamos as alegrias do reino de Deus nesta vida.

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