por Irmão Marcelo Barros,osb
Nesses dias, a
Comissão nacional da Verdade tem a função de trazer à luz crimes da ditadura
militar brasileira contra dissidentes. Agora também tem de investigar denúncias
de que, no final dos anos 70, o exército brasileiro fez bombardeios aéreos
sobre aldeias dos índios Waimiri- Atroari na Amazônia e assim matou milhares de
índios (O Globo, domingo 31
de março 2013). O governo brasileiro tem de lidar com as notícias comprovadas
internacionalmente de desagregação cultural e física de várias comunidades
indígenas no entorno da Usina do Belo Monte no Pará (Cf. Indios, S.A, matéria de capa da Carta Capital, 27/ 03/
2013). No Rio de Janeiro, jornais mostram um grupo de índios expulsos do Museu
do Índio porque o governo estadual quer demolir a casa dos índios e construir
ali o estacionamento do novo Maracanã para a Copa de 2014. No Mato Grosso do Sul, até hoje, aldeias dos
índios Guarani – Kaiowá continuam tendo muitos casos de suicídios de
adolescentes e jovens que não se conformam em viver sem terra e sem
perspectivas de vida, como escravos das grandes fazendas de soja que invadiram
os antigos territórios indígenas. No Brasil inteiro, o atendimento de saúde às
aldeias indígenas emperram diante da burocracia estatal . Em uma de suas
composições imortais, Tom Jobim canta que “todo dia é dia de índio”. No entanto,
parece que no Brasil ainda é imprescindível celebrar cada ano em abril a “semana
dos povos indígenas” e, com todo o continente, nesta sexta feira, 19, o dia
pan-americano do índio.
Até algumas
décadas, nas escolas brasileiras, os povos indígenas eram tratados nos livros
de História como habitantes pré-colombianos de nossa América. E as crianças
associavam índios com o Forte Apache, os filmes de faroeste e os ataques às diligências
dos pioneiros conquistadores do Oeste americano. Atualmente, qualquer
brasileiro convive com índios que vendem artesanatos nas ruas de nossas cidades
e os encontra viajando de uma parte a outra do Brasil e também cursando
universidades e participando de nossos fóruns por um mundo mais justo e
integrado. De acordo com o último censo (2010), 817 mil brasileiros se
classificaram como índios. Sem dúvida, muitos outros o são embora não tenham
coragem de assumir-se como tal. Como existem 67 povos ainda isolados nas
florestas do norte e extremo-oeste do país, esses índios não se registraram no
censo e ninguém sabe quantos são. Ainda teríamos de pensar nos milhares de
descendentes de índios que moram nas periferias de nossas cidades e, embora
sejam filhos ou netos de índios, não se consideram como tais. O desafio maior para esses grupos ou pessoas
isoladas é que, ao serem absorvidos pela civilização envolvente, o são como
semi-escravos e pessoas marginalizadas. A sociedade atual não reconhece os
direitos coletivos dos índios (direito a suas terras e a viver autonomamente).
Perde assim a imensa contribuição humana que todos poderíamos receber das
culturas indígenas.
Nas últimas
décadas, na América Latina, o processo bolivariano emergente em países como a Bolívia,
o Equador e a Venezuela, recolocou os povos indígenas no centro e na base de
suas atenções. As novas constituições nacionais não só reconheceram os direitos
indígenas, mas fizeram das comunidades indígenas fonte de sabedoria e de
organização política. Assim a noção indígena do bem viver (sumak kwasay quétchua ou sumak
kamana aymara ou teko porã guarani)
se torna objetivo do Estado nacional. E cada vez mais os movimentos e
organizações indígenas assumem um protagonismo importante em todo o continente.
Para toda
pessoa que tem fé e vive a busca da intimidade com Deus, a solidariedade, o
apoio e a justa promoção dos povos indígenas é não somente uma questão de
dívida moral e histórica que temos com esses povos e culturas, mas é também um
reconhecimento de que, na crise atual do mundo, precisamos mais do que nunca
desses irmãos e irmãs índios e de sua sabedoria ancestral. Além disso, na
comunhão com os índios, reconhecemos que, como diz Dom Pedro Casaldáliga, “o
Verbo de Deus se fez índio e armou sua tenda no meio de nós”.
O monge Marcelo Barros é teólogo e biblista, autor de mais de 40 livros
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