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Assim, no espírito das Bem-aventuranças, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteiros a caminho da casa do Pai. - Regra OFS nº 11

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

CARNAVAL


                                                                                    
                                                       por Pe. João Batista Libânio, SJ

A secularização não se revelou verdadeira no caso das experiências religiosas individuais que crescem em vez de diminuir. Equivocaram-se aqueles que pensaram o ser humano ocidental tornar-se cada vez mais secularizado. Assistimos na década de 90 o brotar violento da religiosidade individual. No entanto, a secularização prossegue seu caminho, ao ir corroendo o sentido religioso de instituições sociais e culturais. Entre elas alista-se o carnaval.
Nasceu num contexto de Cristandade quando a Igreja católica detinha enorme poder cultural. Ela impunha pesadas penitências a todos os membros da sociedade em determinadas circunstâncias, quer em certos tempos litúrgicos, quer em situações esporádicas, como uma peste ou catástrofe. Assim a entrada na quaresma significava mergulhar-se num tempo de recessão em relação às festas, aos prazeres da comida, da bebida e a outras regalias. Jejuns, sermões, modéstia no trajar, contenção nas manifestações festivas, mais tempo para os atos religiosos e outras práticas dessa natureza preenchiam fundamentalmente o tempo livre da quaresma.


O atleta, antes de entrar na ascese das competições, dá-se o luxo de entregar-se a uma folga-descanso. Da mesma maneira, no mundo cultural medieval, antes de meter-se pelo túnel escuro de sacrifícios e renúncias, socialmente se promoviam uns dias de relaxamento geral. Soava um grito alegre de despedida das refeições com carne: Caro vale! Adeus carne! Carnaval!
A secularização produziu, num primeiro momento, um distanciamento do carnaval em relação à sua origem religiosa. Transformou-o em mero folguedo, só materialmente próximo ao início da quaresma. Inclusive porque a quaresma já não influencia em nada o ritmo da vida da população. É verdade que a Igreja do Brasil promove a Campanha da Fraternidade e muitas paróquias atos tipicamente quaresmais. No entanto, isso não consegue escandir a vida do povo. A quaresma refugiou-se no interior da vida da Igreja e persiste, em seu rigor genuíno, somente em alguns conventos contemplativos. Então o carnaval, como momento de relaxamento pré-quaresmal, perde seu sentido.
Mais: o carnaval nascera também de folguedos e tradições populares. A imaginação do povo criava as formas pinturescas de folgazar. A secularização, sob o nome de mercado, interferiu também nesse veio do carnaval. Pouco a pouco, vai transformando-o em imensa indústria de turismo, fazendo do povo mero figurante para atrair curiosos do mundo inteiro. Evidentemente isso acontece, de modo especial, nas grandes cidades.
Uma tomada de consciência dessas duas tendências secularizantes ajudar-nos, pelo menos, a reagir no sentido de manter as tradições populares do carnaval, não permitindo que ele seja totalmente engolido pela força avassalante do mercado, do puro turismo, dum lazer artificial e degradado.
Recordar a sua origem cultural religiosa restitui-lhe uma tintura diferente em lugares onde a maré secularizante não atingiu alturas arrasadoras. E as pessoas então encontrarão a beleza de folguedos populares sem os riscos da violência, da droga, da bebida excessiva.
Perpassa em setores ilustrados da sociedade o desejo de recuperar o folclore em suas formas puras, descontaminado dos venenos consumistas e mercadológicos. Nesse sentido, brincar o carnaval de rua sem a violência real e sem a inculcação simbólica da mídia constitui-se tarefa válida por parte de quem preza pela cultura nacional. Viver-se-á assim carnaval diferente próximo de suas antigas fontes.
Pe. João Batista Libânio é teólogo jesuíta. Licenciado em Teologia em Frankfurt (Alemanha) e doutorado pela Universidade Gregoriana (Roma). É professor da FAJE (Faculdades Jesuítas), em Belo Horizonte. Publicou mais de noventa livros entre os de autoria própria (36) e em colaboração (56).
*Publicado originalmente na página oficial do autor.
             

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