Marcelo Barros, OSB
Apesar de que todas as religiões pregam amor, compaixão e misericórdia, infelizmente, quando as religiões se tornam dogmáticas e autoritárias, todas têm sido instrumentos de fanatismo e de intolerância. Mesmo caminhos espirituais baseados na compaixão universal e na não violência absoluta como é o Budismo tem servido em alguns momentos e lugares como pretextos para intolerâncias e perseguições a dissidentes e pessoas consideradas infiéis. E durante a história, a religião que mais caiu nessa tentação da violência e da intolerância contra “os outros” e os diferentes, foi o Cristianismo. Isso em absoluta contradição com o evangelho e o espírito de Jesus de Nazaré.
No Brasil, apesar da Constituição Brasileira defender a liberdade de culto para todas as tradições religiosas, ainda existem programas de rádio e televisão nos quais se pregam a intolerância e se combatem algumas tradições religiosas, como por exemplo, as de matriz afrodescendente. Assim, em janeiro do ano de 2000, no Rio de Janeiro, Mãe Gilda, Yalorixá do Candomblé, viu duas vezes o seu templo ser invadido por pessoas de uma Igreja neopentecostal que entraram no templo e destruíram os assentamentos dos Orixás. E no dia 21 de janeiro, Mãe Gilda viu estampada em um jornal uma foto sua com a legenda: “Macumbeiros ameaçam a vida e o bolso dos clientes”. Ao ver aquilo, aquela senhora idosa teve um infarto e faleceu. Para que não se repitam mais fatos como esse, em 2007, o presidente Lula assinou uma portaria através da qual, cada ano, 21 de janeiro é considerado o “Dia Nacional contra a Intolerância Religiosa”.
Para acabar com a intolerância cultural e religiosa, não basta uma lei ou decreto. É preciso transformar interiormente o processo da fé. Muitas confissões religiosas ainda confundem a verdade com uma forma cultural de expressar a verdade. Por isso absolutizam dogmas e tendem a se fechar em um autoritarismo fundamentalista. Daí, facilmente, se justificam conflitos e até guerras em nome de Deus. Em 1965, em um dos seus mais belos documentos, (a declaração Nostra Aetate), o Concílio Vaticano II proclamava o valor das outras religiões e incentivava os católicos do mundo inteiro ao respeito ao diferente e ao diálogo. Também, em 1961, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne mais de 340 Igrejas evangélicas e ortodoxas, pediu às Igrejas cristãs uma atitude de respeito e diálogo com todas as culturas e colaboração com outras tradições religiosas.
Atualmente, no mundo, a diversidade cultural e religiosa é, não somente um fato que, queiramos ou não, se impõe à humanidade. Devemos reconhecê-la como graça divina e bênção para as tradições religiosas. Assim, elas podem se complementar e se enriquecer mutuamente. Nenhuma tem o monopólio da verdade. Todas estão em caminho, como peregrinas da verdade que a maioria das tradições chama de Deus. Com nenhuma religião, Deus assinou contrato de exclusividade. E ao contrário, nas diversas tradições, de um modo ou de outro, revelou que se deixa encontrar no diálogo e na abertura ao diferente.
Para que este diálogo seja verdadeiro e profundo, cada grupo religioso tem de reconhecer o que Deus nos revela, não somente a partir da sua própria tradição, mas do caminho religioso do outro. Não para que o cristão se torne budista ou o budista se torne cristão, mas para que cada um, em sua tradição, seja enriquecido espiritualmente com a iluminação que o outro recebe.
Para esta abertura pluralista e para o diálogo daí decorrente vale o que, no século IV, dizia Santo Agostinho: “Apontem-me alguém que ame e ele sente o que estou dizendo. Deem-me alguém que deseje, que caminhe neste deserto, alguém que tenha sede e suspira pela fonte da vida. Mostre-me esta pessoa e ela saberá o que quero dizer”¹.
______________________
1 - AGOSTINHO, Tratado sobre o Evangelho de João 26, 4. Cit. por Connaissance des Pères de l’Église32- dez. 1988, capa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário