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Assim, no espírito das Bem-aventuranças, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteiros a caminho da casa do Pai. - Regra OFS nº 11

sábado, 12 de janeiro de 2013

Bloco de ideias para compreensão de alguns conteúdos do Curso de Espiritualidade - Frei Vitório Mazzuco Filho, OFM



A mística nos dá um modo singular de pensar a existência e com isto podemos falar de um pensamento místico, de uma filosofia mística que perpassa a experiência religiosa. Nela a experiência se articula e faz uma ponte entre o mundo vivencial e o mundo da fala. Mas não podemos esquecer que a palavra mística sinaliza essencialmente uma experiência.

Não é fácil falar sobre mística, porque é perseguir aquilo que se subtrai, mas é estar sempre na dinâmica de alcançá-lo. É a busca de Deus. É querer falar com a língua dos Anjos... Quem garante que alguém quer ouvir, quem garante que alguém vai entender? É como falar sobre a experiência de se ter uma dor intensa. O outro entende o que é a dor, porém não sente a dor que você sente. De forma semelhante vive o místico a sua experiência; para ele há uma evidência, mas não para o outro.


Mística é a profunda experiência de união do eu com o Todo(o Divino). Este encontro possui um potencial místico que salta para fora e faz uma ponte de ligação com todos os detalhes da existência. É unidade, presença, felicidade, vida, morte, amor e tempo.

Mística possui uma força que visa a união, o amor a todos os seres e abre as experiências humanas para viver positivamente.

Ser místico não é viver numa passividade, mas sim no movimento de perceber o Encantamento do Inefável.

É muito difícil encontrar um nome para o Todo; por isso os místicos se afinam mais com uma linguagem poética. A linguagem poética não fecha-se no círculo de uma definição, mas sugere, representa, faz alusão em vez de uma denominação exata. O Todo aparece sob muitos significados. Podemos dizer Deus, o Divino, o Absoluto... Podemos sempre dizer com reverência quando, através da linguagem, ficarmos maravilhados. A linguagem é o lugar onde o místico se depara com a prece. É a comunicação de sua experiência com o Divino.

A UNIDADE (ou a UNIO MÍSTICA )

Holderlin fala da união com a Natura. Max Scheler fala da sensibilidade cosmovital. Os dois evidenciam a capacidade do ser humano de sentir-se parte do cosmo. A tradição judaica também insere o humano neste contexto, mas ele tem que executar mandatos bíblicos, abraçar o Deus da história e dominar o mundo. O conceito de Holderlin e Scheler não é apenas um estado de consciência ecológica moderna, mas é uma Qualidade Mística, isto é, um modo de estar em comunhão com o cosmo como consangüinidade e não uma mera consciência ambiental.

Existe uma Unidade entre céu e terra. Há um momento que acontece uma separação e uma ruptura e isto permitiu a multiplicidade de outras experiências, inclusive a multiplicidade de seres. O humano perdeu a unidade e vive com saudade de reencontrá-la. A mística e a espiritualidade permitem que o humano volte a abraçar o céu e a terra, que retorne ao Paraíso.

“Ser puro significa reencontrar aquele lar da alma onde sentimo-nos ligados a este mundo” (Albert Camus)

Tanto o Oriente como o Ocidente, sobretudo no período medieval, colocaram a Unio Mística no centro de seus pensamentos e experiências.

A Unio Mistica é o Misterium Tremendum = O humano entra em contato com o segredo da criação. Isto resulta em reações ou manifestações emocionais mais diversas como: espanto, admiração, temor, medo, pânico ou formas mais brandas de sentimento e reações, como por exemplo, o Silêncio. O segredo do encontro com o Sagrado tem a sua fala e não falatório, e leva para a quietude.

A Unio Mistica é a Majestas = a sensação de anulação da própria existência; o eu torna-se poeira e cinza diante da Grandeza, da Majestade de Deus; mas é aí que experimenta a força e a transcendência do humano.

A Unio Mística é a Orgé = vontade, força, movimento, agitação, energia, atividade, paixão pelo Numinoso (aquilo que foge ao alcance dos conceitos).

A Unio Mística é Fascinans = atração e aproximação. O humano aqui não é repelido, mas sim atraído. O Numinoso promete o sadio, acena com algo que É sempre mais ou ainda mais! Neste contato com o “ainda mais”, o humano sente a felicidade plena que transcende qualquer estado emocional comum. A impressão que o “fascinans” deixa na alma humana é indizível. A língua é incapaz de expressar o que a alma sente.

A Unio Mistica é o Augustus = o valor Numinoso. Mas o que é mesmo o Numinoso? O encontro entre o Invisível carnal com o Invisível espiritual. A fala audível do mistério e o silêncio inaudível. O fio que liga céu e terra, o olho do anjo no olho do humano. Um estado de alma, uma inteligência contemplativa. O Numinoso possui uma força que fundamenta qualquer valor ético. Sem o valor numinoso não existiria base para as exigências morais.

A Unio Mística é o Estranho = une os momentos do Misterium Tremendum, da Majestas, do Orgé e o Augusto. O estranho ultrapassa o nosso horizonte racional e faz mais do que nos assustar, nos coloca numa posição de humildade frente a dimensões tanto do universo como da nossa existência e de nossos feitos.

PRESENÇA

A presença de todos os seres é uma só, o que muda são as características e qualidades. Todos estão presentes no mesmo momento. Na presença comum podemos viver intensamente. Basta aquietar-se, acalmar, desligar-se da correria, da movimentação excessiva que começamos a ganhar um outro tipo de relação com as coisas e com o tempo. A experiência da Presença comum de todos os seres baseia-se na Unidade. É sentir que participo da unidade experimentando a presença que eu tenho em comum com todos. Para Sartre e Camus, a presença na terra é o Bem Máximo.

FELICIDADE

Na experiência mística a felicidade não é uma simples satisfação, um contentamento, um estado de euforia. Está ligada a variedade dos seres, é um arranjo de coisas e circunstâncias. É aceitação plena do mundo e da situação dada. É ser feliz sem desejar interesses. Nada agita mais a nossa alma do que quer algo fora daquilo que está sendo vivenciado.

Felicidade é concentrar o eu na totalidade do mundo. Isto não cria vínculos superficiais. É parar para contemplar a totalidade da existência. É o nuns stans, que quer dizer,  agora imóvel, quieto, estático para perceber a pulsão de vida de todas as coisas. Este é um parar pleno de alegria. É como se o eu saísse fora de si para dissolver-se na totalidade. No grego isto é  ek-stasis = êxtase, maravilhamento, encantamento. Temos que ter saudade de algo que transcende o nosso horizonte comum.

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