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Assim, no espírito das Bem-aventuranças, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteiros a caminho da casa do Pai. - Regra OFS nº 11

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Houve um homem...




Houve um homem que se enchia de inefável gozo ao se sentir abraçado pelo Sol e vigiado pela Lua, aos quais chamava de irmão e irmã. Seus olhos reluziam perante a vastidão silenciosa das estrelas e seu coração transbordava ao aspirar a fragância das flores. Ao encontrar plantas e frutos, ajoelhava-se, reverente, como se curva junto a uma criança. Falava com a relva, conversava com as árvores, segredava às pedras, deixava-se acariciar pelo vento e parecia aplacar o vigor das chamas quando evocava seu parentesco cósmico com o fogo.
Esse homem nunca estudou astrofísica e jamais soube que nas águas dos rios lateja o mesmo oxigênio, expirado pelas estrelas, que flui em nossa corrente sanguínea, bombeando-nos vida. Porém, havia nele uma conatural empatia com toda a Criação. Apaixonado por Deus, sabia-se em comunhão com o Cosmo. Andarilho, o sabor do mel era, para o seu paladar, um dom tão precioso quanto a escuridão da noite para seus olhos e o lamento famélico dos lobos para seus ouvidos. Tudo evocava a maravilha do Criador: o canto das cigarras, a sinuosidade rastejante dos répteis, o rugir dos trovões, o pó das estradas.

Ele nasceu num povoado italiano, há cerca de 800 anos. Sonhou ser rico como o pai, cavaleiro como os jovens de sua geração, monge como os que renunciavam ao mundo. Embebido do Evangelho de Jesus, evitou as três possibilidades. Despiu-se da roupa tecida na manufatura de seu pai, pioneiro do capitalismo, e abraçou a vida despojada das primeiras vítimas coletivas do novo modo de produção: os pobres.
Como ele mesmo disse, Deus o destinara a ser "louco no mundo". Loucura que o levava a comer do mesmo prato dos doentes, a preterir armas e cavalos em favor da ternura e da pregação itinerante. Seu mosteiro eram os caminhos e as vilas, os bosques e as montanhas. Companheiro de Clara, tudo nele era fé e festa, expressão indelével do Eros, ágape místico. Cantava a dor e o riso e referia-se à morte como irmã.

Seu pai batizou-o como Francisco, aquele que vem da França, em homenagem à metrópole européia da época. Mas ele preferiu trocar os privilégios pelas efusões do espírito, que sopra onde quer e como quer. Em 4 de outubro os cristãos comemoram a sua festa, recordando que, em 45 anos de vida, São Francisco de Assis nos deixou um testemunho de liberdade que ainda ressoa como paradigma de futuro.

Ele foi o que não somos e o que no fundo, gostaríamos de ser.

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Texto: Frei Betto é religioso dominicano e assessor de movimentos sociaisColaborou: Thiago Damato, Jufra/ Niterói-RJ

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