Fred Félix, ofs
O projeto de vida traçado por Francisco de Assis possui um fim específico: a construção do homem novo. Este tem por meta também apenas uma coisa, que é a felicidade plena. E quem neste mundo em que vivemos não quer ser feliz? Esta é a busca pessoal de cada ser humano.
Para elaborar em si mesmo este homem novo, através de erros e acertos (diga-se de passagem, muito mais acertos do que erros), Francisco descobriu uma espiritualidade que tem por principal característica a sua imersão no Criador de todas as coisas através de suas criaturas. Para isso Francisco utiliza o próprio Jesus Cristo – o marceneiro nazareno que vivera mil e duzentos anos antes dele e que revolucionou, primeiramente, todo um povo e depois todo um mundo – como o espelho perfeito no qual deve se refletir. Na busca da semelhança com o Cristo, ele ainda descobre outro aspecto. Francisco percebe que Jesus possuiu uma companheira durante toda a sua missão e que ela sendo fonte da mais límpida espiritualidade é, ao mesmo tempo, a via mais esquecida de se trilhar a caminho de Deus, apesar da mais sublime. Esta é a Altíssima Pobreza.
Disse ele certa vez: “Sabei, irmãos, que a pobreza é o caminho mais curto para a salvação, como fundamento que é da humildade e raiz de toda a perfeição, e seus frutos, embora ocultos, são múltiplos e abundantíssimos. Essa virtude é aquele tesouro evangélico escondido no campo; para comprá-lo se deve vender tudo e por seu amor desprezar tudo que não se pode vender”.
Através desses dois fundamentos – o Cristo e a Pobreza – o poverello de Assis vive o encantamento da vida de uma forma que sua felicidade é transbordante. Ela vira música, poesia, atitude. Como um imã acaba atraindo quem dele se aproxima. E depois de beber da mesma fonte, impossível não ficar inebriado com as delicias dessa espiritualidade tão colorida.
Contudo, nesses tempos de tanta violência e contradições, cabe ao Mundo redescobrir Francisco de Assis e seu caminho. É imperativa a mudança de rumos de nossa sociedade globalizada. Vivemos em uma grande aldeia global, porém sem uma correspondente fraternidade global.
Os franciscanos têm por missão ser sinais vivos deste projeto social autêntico que conduz à criatura ao Criador chamado Reino de Deus ou, como preferem alguns, a Sociedade do Amor. Esse projeto foi traçado em uma perspectiva simples: é preciso mudar o ser humano para se conseguir mudar o planeta. É preciso revestir-se do homem novo para uma sociedade nova.
Para facilitar o entendimento dessa proposta franciscana, vamos traçar alguns pontos da espiritualidade que servem para qualquer homem ou mulher de bem que quiser viver essa experiência:
- Não há exemplo melhor para a construção deste homem novo em nós mesmos que o de Jesus Cristo. Ele é dom do Pai. Foi enviado exatamente para que nós percebêssemos o caminho a seguir. Nada seria mais necessário do que suas biografias para compreendermos o que é o ser humano. Vale a experiência: lermos os Evangelhos sem um olhar clerical, apenas com um simples olhar humano e ver se as palavras dele não nos tocam o coração.
- Somos criaturas. Logo não há nada mais legítimo que seja nosso retorno à fonte de nossa criação, ou seja, ao Criador. Para isso é preciso construir uma intimidade com Ele. O que não é difícil, já que Ele se “esconde” em nosso coração. Uma vez voltados para Ele estaremos também voltados para nossa essência e para nós mesmos. E assim seremos legítimos.
- Ser participantes de nossa própria vida. Trabalhar, sofrer, cair e levantar – todos os homens passam por isso. Faz parte desse mistério ao qual nomeamos de viver. Logo, é preciso dar sentido a isso em vez de reclamar. É preciso participar até de nossos sofrimentos como quem cumpre em si o milagre da vida.
- Como somos filhos de Deus, e ele é um ente vivo e presente, nada melhor do que uma abertura para ouvir e enxergar o que Ele indica para nós. Pois, Ele traça os melhores caminhos àqueles que se entregam em suas mãos. E isso não é papo de místico não. Experimente fazer isso em sua vida e verá que ele realmente conduz a cada homem que está aberto a Sua presença e atuação.
- A pobreza e a simplicidade fazem com que o homem dê o devido valor às coisas e pessoas. Encerra o homem material e transmuta-o em homem espiritual por excelência. Infelizmente esse texto é muito curto para descrevermos a abundância de alegrias e felicidades que a prática da pobreza propicia. Porém podemos, simplesmente, utilizarmos uma citação de Santa Clara de Assis: “Quem está vestido não pode lutar com quem está nu, pois vais mais depressa ao chão quem tem onde ser agarrado”.
- As palavras e atitudes são transbordamento do que nosso coração está cheio. Por isso é preciso o empenho na pureza de coração, de forma que nossas palavras e atitudes sejam acolhedoras, cortesãs, delicadas, ternas, firmes, seguras e amáveis.
- A fraternidade permite que enxerguemos em cada ser humano um igual, independentemente de idade, sexo, cor, origem, posição social, status social, escolaridade, condição econômica, religião, estrutura familiar, concepção política e filosófica, cultura e crenças, pois somos todos iguais perante o mesmo Deus que “faz chover da mesma forma sobre os justos e injustos”. Esta fraternidade é universal, vai além de ‘entre todos os homens’ para ser também ‘entre todas as criaturas’. Ou seja, além de nos darmos as mãos, devemos dar nossas mãos à Natureza, respeitando-a como criatura. Assim, iremos preservá-la não porque dela necessitamos para nossa sobrevivência, mas porque ela é uma igual a nós. Somos todos apenas criaturas participantes da Vida.
- É urgente a construção deste mundo novo. Desta forma é preciso o espírito de serviço e a presença atuante do homem novo na vida pública, de forma a auxiliar nesta reforma social proposta pelo Cristo e ratificada por Francisco de Assis. Contudo, isso irá apenas se concretizar através de uma posição firme e corajosa, disponível, concreta e consciente, revestida de fé, justiça e caridade.
- A vida precisa ser respeitada e a paz construída. O homem é o principal instrumento de elaboração desta paz. E isto começa dentro do núcleo familiar que é o microcosmo natural da vida.
- O diálogo e o entendimento fraterno é a melhor arma. O perdão e a alegria plena são conseqüências desse caminho. Somos portadores da esperança e alegria.
O mundo clama por esse novo homem. E isto já faz tempo, milênios inclusive. Precisamos, a cada dia, nos harmonizarmos mais. Harmonizarmo-nos com os outros, com a natureza, com o Cosmo e com nós mesmos. Precisamos revestir-nos do homem novo assim como já falou o apóstolo:
O homem novo - Efésios 4, 17-24É isto, pois, o que digo e recomendo no Senhor: não volteis a proceder como procedem os gentios, no vazio da sua mente; vivem obscurecidos no pensamento, alienados da vida de Deus, devido à ignorância que neles existe e ao endurecimento do seu coração; tornados insensíveis, a si mesmos se entregam à libertinagem, até chegarem a praticar toda a espécie de impureza, na ganância.
Vós, porém, não foi assim que aprendestes, ao conhecerdes a Cristo, supondo que dele ouvistes falar e nele fostes instruídos, conforme a verdade que está em Jesus: que deveis, no que toca à conduta de outrora, despir-vos do homem velho, corrompido por desejos enganadores; que vos deveis renovar pela transformação do Espírito que anima a vossa mente; e que deveis revestir-vos do homem novo, que foi criado em conformidade com Deus, na justiça e na santidade, próprias da verdade.
Para louvarmos esta elaboração através de Cristo e da espiritualidade franciscana, encerramos este pequeno colóquio informal com as palavras de nosso irmão Frei Carlos Mesters. Paz e Bem!
SALMO PARA O HOMEM NOVO de Frei Carlos Mesters
Dai-nos Senhor: pobreza quando pedimos lucros; filhos quando matamos vidas; sede quando cremos saciados; fogo quando queremos vida facil. Tira-nos: As correntes que não nos deixam livres; os egoísmos que nos fecham em nos mesmos; as palavras de duplo sentido que nos cobrem de superficialidade; as atitudes pósticas que nos revestem de mascaras; a falta de coerência que faz de nossa vida algo sem sentido. Fazei-nos, Senhor: crianças quando nos achamos adultos; incompetentes quando nos julgamos únicos; sinceros quando tratamos de aparecer; culpáveis quando nos consideramos vítimas; débeis quando nos cremos fortes. Pobres, Profetas, Livres, Crianças, Débeis, Filhos, Espelhos teus para nossos irmãos na terra que Tu criaste.
Dai-nos Senhor: pobreza quando pedimos lucros; filhos quando matamos vidas; sede quando cremos saciados; fogo quando queremos vida facil. Tira-nos: As correntes que não nos deixam livres; os egoísmos que nos fecham em nos mesmos; as palavras de duplo sentido que nos cobrem de superficialidade; as atitudes pósticas que nos revestem de mascaras; a falta de coerência que faz de nossa vida algo sem sentido. Fazei-nos, Senhor: crianças quando nos achamos adultos; incompetentes quando nos julgamos únicos; sinceros quando tratamos de aparecer; culpáveis quando nos consideramos vítimas; débeis quando nos cremos fortes. Pobres, Profetas, Livres, Crianças, Débeis, Filhos, Espelhos teus para nossos irmãos na terra que Tu criaste.
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