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Assim, no espírito das Bem-aventuranças, se esforcem para purificar o coração de toda inclinação e avidez de posse e de dominação, como peregrinos e forasteiros a caminho da casa do Pai. - Regra OFS nº 11

quinta-feira, 28 de março de 2013

Páscoa: o já e o ainda não do mistério

            por Maria Clara Lucchetti Bingemer
S.S Papa Francisco lava pés de jovens em recuperação


                                             
        As leituras bíblicas da Quinta Feira Santa – pórtico do mistério pascal que acabamos de celebrar - nos mostram o Deus de Israel dando instruções a Moisés sobre como comer o cordeiro imolado, com pães ázimos e ervas amargas.  Assim diz a leitura do livro do Êxodo: “Assim devereis comê-lo: com os rins cingidos, sandálias nos pés e cajado na mão.  E comereis às pressas, pois é a Páscoa, isto é, a “passagem” do Senhor!”
          Mais tarde, à meia-noite,  o anjo do Senhor feriu de morte todos os primogênitos egípcios, desde os primogênitos dos animais até os da casa do Faraó.  Este então, temendo ainda mais a Ira Divina, aceitou libertar o povo de Israel para adoração no deserto, o que levou os hebreus ao Êxodo, à Aliança, à terra prometida e à construção de sua utopia como povo.
        Nada haveria acontecido se não fosse essa passagem do Senhor, ao mesmo tempo assustadora e alumbradora.  Foi por esta apressada passagem que o povo eleito conheceu a liberdade e também conheceu mais o seu Deus. No duro aprendizado do deserto, este mesmo povo aprenderá que não há que ter saudades da falsa abundância da escravidão, com panelas cheias de cebola e carne.  Pelo contrário, há que alimentar-se do escasso maná, dado por Deus segundo a necessidade de cada dia, enquanto se caminha rumo à verdadeira liberdade e plenitude.

        Os primeiros cristãos viram no mistério pascal de Jesus Cristo novo Êxodo e nova Páscoa.  Na pessoa do Nazareno inocente e condenado pelos poderes deste mundo enxergaram a salvação, a passagem do Senhor que, enfim, manifestava o seu Dia.  Era cumprido o Tempo e a salvação se fazia presente sobre a história.  O Senhor voltaria novamente em plena glória e enquanto tal havia que esperá-lo vivendo o amor até as últimas consequências.
        No entanto, com o passar do tempo, a comunidade cristã foi compreendendo que essa revelação ainda tinha muito a ensinar.  Com a Ressurreição do Crucificado, Deus seu Pai dissera sua última palavra sobre aquela vida feita só de amor e humilde serviço.  A morte não tinha mais poder sobre ele.  E a partir dele, não teria mais poder sobre nenhum homem e mulher vindos a este mundo.
            Porém, a Paixão ainda não terminara no seio da história.  Enquanto a criação inteira se contraía com a dolorosa expectativa da mulher que vai dar à luz e em meio a suas dores pre-sente a esplendorosa alegria do alumbramento do parto, continuava a haver sofrimento no mundo.  Lutas de poder no interior da comunidade, perseguições de toda sorte por parte das mais diversas instâncias. A luz trazida pela passagem de Jesus da morte para a vida pelo poder de Deus brilhava através e apesar das trevas que ainda continuavam com paciência termital seu trabalho predatório sobre a vida e a humanidade.
            Por isso o grande Paulo de Tarso ensinará às comunidades por ele fundadas e amadas com paternas entranhas que é preciso vigiar.  O Ressuscitado ainda está crucificado toda vez que a vida é machucada e a injustiça parece ganhar terreno.  A vitória já foi alcançada mas ainda não se manifestou em plenitude.  E enquanto isso é preciso ter os rins cingidos, as sandálias aos pés e o cajado à mão. E deixar-se possuir pela urgência e pela pressa.
           Urgência de fazer avançar o Reino de Deus através do conflito e da dor. Pressa de fazer acontecer o amor sobretudo ali onde o desamor parece haver conseguido seu maior avanço: na pobreza, na injustiça, na violência, na exclusão.  Mas em meio à pressa e à urgência, coração alegre e esperançado.  Pois o Senhor passou e passa.  Passou em meio ao povo cativo levando-o do cativeiro à libertação. Passou no corpo e na vida de Jesus de Nazaré suscitando-o da morte à vida.  Passa e passará em nossas vidas, levando-nos da noite escura da injustiça, da violência e do vazio à alegria luminosa que vem do amor feito serviço e lava pés aos irmãos oprimidos no rosto de quem brilha o rosto do Ressuscitado.
          Urgidos pela pressa de construir o Reino, cantemos Aleluia! É nosso dever e nossa salvação, pois Deus ressuscitou seu Cristo dentre os mortos e nada mais poderá separar-nos de seu amor. Uma muito Feliz Páscoa para todos!

* Maria Clara Lucchetti Bingemer, teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, e diretora Geral de Conteúdo do Amai-vos. É também autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.

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