25 de novembro / 2012 - Jesus Cristo, Rei do Universo/B
1ª leitura: (Dn 7,13-14) O Filho do Homem recebe o “poder” – Na visão de Dn 7 aparecem primeiro quatro feras: os impérios deste mundo, que se entredevoram (7,1-9.17). Surgem da terra. Do céu, porém, vem uma figura com feições humanas (“como um filho do homem”), que vence as feras e recebe toda a honra e o poder-autoridade do “Velho de dias”, o Deus eterno (7,13-14). Ele representa os “santos do Altíssimo”, os anjos, ou seja, em última análise, Deus mesmo (7,27). – Jesus se atribuiu a autoridade do Filho do Homem. O evangelho de Mc revela isso gradativamente, chegando ao uso paradoxal deste título para falar de Jesus no seu sofrimento e morte (predições da Paixão), prelúdio de sua volta “com o poder e com as nuvens do céu” (14,62; 13,26). * 7,13 cf. Mc 13,26; 14,62; Ap 1,7; 14,14 * 7,14 cf. Dn 2,44; 3,100[33]; 4,31.
2ª leitura: (Ap 1,5-8) A Testemunha Fiel, Rei dos reis da terra – Na introdução do Ap encontramos três títulos cristológicos: 1) a Testemunha Fiel; 2) o Primogênito dos mortos; 3) o que reina sobre os reis da terra. Significação: Cristo testemunhou o que viu e deus sua vida pela verdade de seu testemunho. Porém, superou a morte, pelo que nele possuímos a ressurreição e a vida. Seu Reino é construído sobre o poder da verdade e do amor; realiza-se onde o homem responde com a fé à Verdade, com a fidelidade ao seu Amor. Ele, o Crucificado, livrou-nos do pecado e nos faz participar de seu sacerdócio régio. * 1,5-6 cf. Sl 89[88],38.28; Is 55,4; 2Cor 1,20; Ap 3,14; Cl 1,18; 1Cor 15,28; Ap 19,16; 1Pd 2,9-10 * 1,7 cf. Ap 14,14; Dn 7,13; Zc 12,10.14; Jo 19,37 * 1,8 cf. Is 41,4; 44,6; Ap 22,13.
Evangelho: (Jo 18,33b-37) Meu Reino não é deste mundo... Vim testemunhar “a Verdade” – Pilatos pergunta se Jesus é o “Rei dos Judeus” (Jo 18,33; Mc 15,2), sugerindo que isso seria uma base de condenação por atividade política. Para Jesus é a ocasião de esclarecer o significado de seu Reino: ele veio para dar testemunho da Verdade de Deus (que Deus mesmo é: a Luz, a Vida...). Esta verdade se torna manifesta em Cristo. Quer brilhar como luz no mundo que se fechou à Luz e por isso é chamado de “trevas”. E a Luz e a Vida venceram, na doação até o fim, na cruz, trono de glória de Cristo: aí revela-se seu poder. * 18,36, cf. Jo 1,10-111; 8,23; 12,32 * 18,37 cf. Jo 8,26-29; 10,3.26-27; 17,17-19; Ap 1,5.
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Tradicionalmente, o último domingo do ano litúrgico (Cristo-Rei) fala da consumação escatológica do mundo e da História. No ano A, o texto central era a parábola do último juízo, de Mt 25. Neste ano B, ano do evangelista Mc, o evangelho do último domingo é tomado não de Mc, mas de Jo, que fornece uma espécie de “comentário teológico” a Mc. Pois, enquanto Mc descreve Jesus como o Enviado de Deus manifestando-se de modo velado, Jo coloca a figura de Jesus na plena luz da glória divina, que nele se manifesta. Assim podemos ler em Jo com clareza o que em Mc fica subjacente. Mc “esconde” o caráter messiânico de Jesus, porque, de fato, o mundo se decepcionou, por não enxergar seu Reino. Jo, pelo contrário, afirma claramente que Cristo é Rei, mas explica também que seu Reino não é deste mundo (não pertence a homens fechados na sua autossuficiência), e sim, o Reino do testemunho da verdade, que é Deus, Deus revelando-se em Jesus, na morte por amor. Pois é na sombra da cruz que Jesus identifica seu Reino com o testemunho da verdade. É na cruz que Jesus é, por excelência, a “Testemunha Fiel”, o “Rei dos reis” (2ª leitura). E Pilatos, alheio às preocupações de Jesus, sem o querer as confirma, exigindo com insistência que se coloque na cruz de Jesus o título: “Rei dos judeus”.
A 1ª leitura prepara-nos para a ideia de um reino transcendente, que não pertence aos homens, mas a Deus. Numa visão, Daniel vê quatro feras, que se entredevoram: imagem adequada para descrever as relações entre os impérios deste mundo. Dn pensa nos assírios, babilônios, persas e sírios (o livro foi escrito durante o governo do rei sírio Antíoco Epífanes, perseguidor dos judeus na crise dos Macabeus). Mas poderíamos imaginar os impérios de hoje perfeitamente com as mesmas figuras, mesmo se estes impérios já não dependem de imperadores e sim de magnatas. No fim, porém, todos eles serão vencidos por uma figura de feições humanas “como que um filho de homens”, um ser humano; e este representa os “Santos do Altíssimo”, a corte celestial, os servidores de Deus (modo de imaginar uma intervenção de Deus mesmo; o judaísmo rodeou Deus de intermediários, pois não podia haver contato direto entre Deus e os homens). O “Filho do Homem”, em Dn, representa Deus mesmo. A ele pertencem o Poder, a Glória, o Juízo: ele tem a última palavra sobre o mundo e a História.
No N.T., o título de Filho do Homem é dado a Jesus. Este não se inscreve num “messianismo qualquer”. Sua missão é realmente transcendente, traz Deus presente, como última palavra de nossa existência e da História. Isso se confirma tanto pela parábola do último juízo quanto pelo diálogo entre Jesus e Pilatos no evangelho de hoje. O Reino que Cristo instaura é muito diferente dos “reinos deste mundo”. Não que o Reino de Cristo seja alheio a este mundo. Está dentro dele, firmemente arraigado. Mas não pertence aos homens, porém a Deus. No Reino de Cristo, ninguém tem a última palavra sobre os outros, mas, pelo contrário, todos estão a serviço dos outros no amor e na doação. Quanto mais se desenvolvem estas atitudes, tanto mais realiza-se o Reino da Verdade e do Amor. Quanto mais o homem organiza seu mundo num instrumento de fraterno amor, em vez de opressão, tanto mais resplandece a face de Deus, que nos é possível identificar a partir da cruz de Cristo. Portanto, que o Reino de Jesus não é deste mundo, não significa que seus “súditos” não o precisam implantar neste mundo.
Quanto aos impérios deste mundo, se não acreditamos a lição da História, que ensina que todos eles se corrompem por dentro, acreditemos pelo menos na mensagem de Dn: em última instância, estão submissos ao juízo de Deus. Nenhum deles determinará definitivamente a História. Mas, entretanto, oprimem a humanidade. De fato, se o nosso horizonte não superar os nossos limites bio-psicológicos, materiais, não tem muito sentido dizer que Deus tem “afinal” a última palavra. Porém, se acreditarmos naquilo que o evangelho de João diz do início até o fim – que devemos viver desde já uma vida além da dimensão “carnal” –, então encontraremos, na visão escatológica apresentada hoje, uma força para não nos entregar ao jogo dos poderes deste mundo, pois saberemos que eles não são decisivos. Quem for mesmo “materialista” não resistirá à tentação de se entregar a algum destes impérios, fazendo dele o todo de sua vida. Mas aquele que se entregar ao Reino da Verdade, que se manifesta no Cristo crucificado, terá a força de por o domínio material a serviço deste Reino, que não pertence a homem algum, mas faz as pessoas se pertencerem mutuamente no amor.
CRISTO REINA PELO TESTEMUNHO DA VERDADE
O último domingo do ano litúrgico é a festa de Cristo, Rei do Universo. Cristo reina. Reinar ou governar não significa mandar arbitrariamente, mas exercer a responsabilidade da decisão última num projeto de sociedade.
Interrogado por Pôncio Pilatos, Jesus diz que seu reinado não é deste mundo (evangelho). Não deve seu reinado a nenhuma instância deste mundo. Ele não é como os reis locais, no Oriente, que eram nomeados pelo Imperador de Roma; nem como o Imperador, cujo poder dependia de seus generais, os quais por sua vez dependiam do poder de... quem? de uma estrutura que se chama “este mundo”. Como hoje. Os governantes deste mundo – estabelecidos por “este mundo” – dependem de toda uma constelação de poderes, influências e trâmites escusos. Devem pactuar, conchavar, corromper. E, no fim, caem de podres. Pensam que são donos do mundo enquanto, na realidade, o mundo é dono deles.
O que são os reinos deste mundo aparece bem na 1ª leitura: quatro feras que tomam conta do mundo e se digladiam entre si. Mas então aparece uma figura com rosto humano, um “como que filho do homem”, que desce do céu, de junto de Deus, e que representa o reinado de Deus que domina as quatro feras, os reinos deste mundo. Jesus na sua pregação se autointitula “filho do homem” no sentido de ser aquele que traz esse reinado de Deus ao mundo.
O reinar de Jesus não pertence a este mundo, nem lhe é concedido por este mundo. É reinado de Deus, Deus é seu dono. Mas, embora não sendo deste mundo, este reino não está fora do mundo. Está bem dentro do mundo, mas não depende deste por uma relação de pertença, nem procura impor-se ao mundo por aqueles laços que o prenderiam: força bruta, astúcia, diplomacia, mentira... Jesus ganha o mundo para Deus pela palavra da verdade.
“Para isto eu nasci e vim ao mundo: para dar testemunho da verdade” (Jo 18,37). Jesus é a palavra da verdade em pessoa. Nele a verdade é levada à fala. E que verdade? A verdade lógica, científica? Não. Na Bíblia, verdade significa firmeza, confiabilidade, fidelidade. Jesus é a palavra “cheia de graça e verdade” (Jo 1,14), a palavra em que o amor leal e fiel de Deus vem à tona e se dirige a nós: amor e fidelidade em palavras e atos. É Deus se manifestando. Essa “verdade”, Jesus a revela dando sua vida até o fim. Esse é o sentido desta declaração, feita três horas antes de sua morte, ao ser interrogado por Pôncio Pilatos, que não entende...
Jesus é o reino de Deus em pessoa. Não reino de opressão, mas reino de amor fiel, reino de rosto humano – o amor humano de Deus por nós, manifestado no dom da vida de Jesus, que reina desde a cruz. A opressão exercida pelos reinos deste mundo, Jesus a venceu definitivamente pela veracidade do amor fiel de Deus. Ora, quem faz existir o amor fiel de Deus no mundo de hoje somos nós. Por isso Jesus nos convida: “Quem é da verdade escuta a minha voz”.
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