por Ir. Marcelo Barros, osb
Há poucos dias, um encontro
internacional em Adis-Abebba, na Etiópia, celebrou os 50 anos da Organização da
Unidade Africana (OUA). Essa iniciativa nasceu em 1963 na mesma Etiópia e com
sonhos e ambições muito profundas: a libertação de todos os povos africanos, o
respeito a integridade dos territórios de cada nação, a superação do racismo e
o estabelecimento de políticas que promovessem a paz e o bem estar social. Para
isso, um instrumento importante deveria ser a integração de todo o continente.
Era o sonho de tornar toda a África uma espécie de pátria única, na mesma linha
que, no inicio do século XIX, Simon Bolivar sonhou e lutou para realizá-la na America
do Sul. Os fundadores da OUA queriam um governo único, uma única moeda e uma
constituição que unisse a todos os povos africanos. Só conseguiram fazer uma
Carta de princípios que serviu de constituição fundadora da OUA, mas sem peso
de lei para cada Estado em particular.
Em 1963, os propósitos que fundaram
a OUA eram muito audaciosos. Vários países africanos ainda eram colônias de
países europeus. Na África do Sul, o apartheid racial era política oficial. Em
todo o continente, o colonialismo tinha deixado marcas muito profundas. Muitos
dos líderes africanos que promoveram a organização dessa entidade integradora
do continente tinham sido comandantes dos processos de libertação dos seus
povos. Alguns tinham sido presos, sofrido torturas e tentativas de assassinato.
Foi o preço a pagar para superar o colonialismo europeu e conseguir a
independência que várias nações só conseguiram a partir do projeto da Unidade
Africana. Sem dúvida, a OUA foi um passo importante na formação de uma
consciência pan-africana que, pouco a pouco, se espalhou por todo o continente.
Infelizmente, com o tempo, tornou-se uma espécie de sindicato de governantes,
sem participação real dos povos e de uma sociedade civil que nesse momento, na
África, enriquece os fóruns sociais. Na América Latina, a Unasul e a ALBA reúnem,
além dos governantes, movimentos sociais e representações da sociedade civil. Na
África, isso tem sido impossível por pressões de potências estrangeiras que
continuam a mandar no continente.
Atualmente, a África conta com
54 países independentes, membros da Organização da Unidade Africana. Vários
desses países valorizam suas culturas ancestrais, falam seus idiomas próprios e
procuram constituir uma sociedade intercultural e de paz. Nem sempre conseguem
porque alguns países ricos de outros continentes continuam com interesses muito
fortes na África. Enquanto a República Democrática do Congo tiver a riqueza que
tem de diamantes, muitos congoleses viverão como escravos nas minas, vítimas de
doenças respiratórias. Morrem a mingua para enriquecer firmas belgas e
holandesas e produzir joias para mulheres ricas do Ocidente. O governo dos
Estados Unidos continua explorando petróleo na costa do Congo. Polui a natureza
e destrói os rios. Paga um salário de fome aos empregados congoleses e ao
governo local 20% dos seus lucros. Esse tipo de política ainda vigora em todo o
continente. Agora, veio se somar uma nova colonização feita pela China. Essa
investe em projetos gigantescos como estradas, rodovias, portos e grandes
hidroelétricas que, muitas vezes, servem ao turismo e aos interesses
internacionais, mas beneficiam pouco as populações locais.
A presidente Dilma foi convidada para a
comemoração dos 50 anos da Organização da Unidade Africana. Ali ela anunciou,
por parte do Brasil, o perdão da dívida que países africanos tinham conosco.
Setores da imprensa brasileira protestaram. Não perceberam que, ao perdoar a
dívida africana, a presidente apenas reconheceu a imensa dívida social que o
Brasil tem historicamente com os povos africanos. Fez um gesto de restituição
simbólica do imenso capital humano, cultural e econômico que, no passado,
nossos antepassados roubaram da África.
Há dez anos, o Brasil
intensificou os passos de integração com os países irmãos da América Latina e
Caribe. Atualmente, o sonho da pátria grande desejada por Bolívar começa a ser
realidade. Faz parte do mesmo espírito a solidariedade aos países africanos que
estão culturalmente e por história mais próximos de nós do que potencias do
Norte. Antes, governantes elitistas sempre olhavam com mais interesse e
predileção para essas potências.
Para as pessoas que creem,
essa integração internacional dos povos empobrecidos e historicamente
explorados é sinal antecipador da realização do projeto divino de uma
humanidade nova e mais fraterna.
Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e assessor de movimentos sociais
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